A série Adolescência acompanha o crime de Jamie, um garoto de 13 anos que assassinou Katie, sua colega de classe. Mas, mais do que isso, revela como esse crime é apenas a ponta de problemas maiores como o machismo, a negligência escolar, a dificuldade parental e a contingência pulsional.
Aqui faço um recorte para falar especificamente do machismo e do ressentimento que são temas que me interessam e que podem ser bem ilustrativos quando vistos através da série.
O ambiente digital ganha destaque em todo o contexto da série, que não apenas reflete a vida social dos adolescentes, mas é o espaço onde eles constroem, de alguma maneira, sua identidade, estabelecem redes de reconhecimento e valor, e por meio dela também formam grupos de identificação, exclusão e humilhação.
A lógica machista se perpetua no digital, onde os garotos tentam reforçar sua masculinidade postando fotos íntimas de mulheres adultas ou compartilhando fotos íntimas de suas colegas.
A série também evidencia como algumas meninas reforçam hierarquias masculinas através de comentários feitos nas redes sociais. E que também carregam ideias machistas em suas atitudes, como o comentário que Katie faz no Instagram de Jamie.
Circula a ideia na série de que 80% das meninas se interessam por apenas 20% dos meninos, o que não é apenas um dado evidenciado dentro da narrativa, mas um sintoma de algo maior.
Aqueles que não se enquadram nesse grupo privilegiado dos 20% acabam sendo alvo de discriminação, exclusão e humilhação pública/digital por meninos e meninas. Mas o impacto disso não é apenas individual; ele se desdobra coletivamente, criando um ambiente que alimenta ressentimento, tristeza e ódio através do gozo pela humilhação desses garotos que fogem dessa masculinidade esperada.
Esse é um dos fenômenos mais nítidos que a série apresenta: a maneira como as “pequenas” violências cotidianas normalizadas podem se transformar em ressentimentos, esses, se transformando em violências ainda mais destrutivas. O desejo frustrado, o sentimento de não ser reconhecido como “masculino o bastante” ou como alguém desejável e a humilhação decorrente disso, podem ter colaborado para o ódio que, nesse caso, se voltou contra a figura feminina.
O pai do garoto, mesmo tentando ser um homem diferente do seu próprio pai, carrega consigo o peso da masculinidade tradicional. Ele não bate no filho, como talvez seu pai tenha feito com ele, mas ainda, sem mesmo perceber, reproduz algumas atitudes machistas como por exemplo sua tentativa torná-lo másculo, inserindo-o em atividades de luta e esporte comumente associado a uma masculinidade específica reconhecida socialmente.
São nesses espaços que a lógica machista se reafirma, seja pelas piadas, pelos olhares dos outros pais, pelas dinâmicas de grupo dos garotos. O pai percebe isso, mas se vê impotente e constrangido. O filho, por sua vez, também percebe e vai compreendendo, pouco a pouco, qual é o seu lugar dentro dessa estrutura e também seu lugar no olhar do pai.
A série mostra, com precisão, como o machismo não é apenas uma questão de comportamentos individuais, mas uma engrenagem social que atravessa homens e mulheres, meninos e meninas.
O ressentimento que ele gera pode ser um dos motores para violências mortíferas, seja em atos isolados ou na formação de grupos como os red pills ou incels que hoje disseminam ódio e violência contra as mulheres, mas que acabam, de alguma maneira, acolhendo esses garotos que são excluídos dos grupos sociais.
O que faz alguém optar pela violência não é tão claro de responder, não há resposta simples. Não da pra jogar na conta dos pais, da escola, do machismo ou somente em algo pulsional.
Mas podemos pensar em como falas e atitudes aparentemente “banais” podem colaborar na construção de ressentimentos brutais com consequências reais e devastadoras para meninos e homens, mas especialmente para as meninas e mulheres, que seguem sendo as vítimas fatais.