*Esta carta foi escrita em 19 de abril de 1935. Mas a homossexualidade ainda era considerada uma doença pela Organização Mundial da Saúde até 17 de maio de 1990.
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Cara Senhora,
Eu posso deduzir a partir de sua carta que seu filho é homossexual. Me impressiona muito o fato de que você mesma não mencione esse termo em seu relato sobre ele. Poderia perguntar por que o evita? A homossexualidade seguramente não é uma vantagem, mas não é nada de que se deva ter vergonha, nenhum vício, nenhuma degradação, não pode ser classificada como uma doença; nós a consideramos como uma variação da função sexual produzida por uma certa interrupção do desenvolvimento sexual.
*(Com o avanço da teoria freudiana feita por Lacan, isso muda, a homossexualidade não é mais considerada uma produção por uma interrupção do desenvolvimento sexual, ele discorda que o final da fase de desenvolvimento psicossexual seria a primazia genital, pois constata que as pulsões são sempre parciais e não tem fim na genitalidade, ou seja, todos podem ter prazer em qualquer zona erógena tanto quanto ou até maior que a genital. Quando Freud menciona que seria uma desvantagem me pergunto se ele se refere à interrupção da fase de desenvolvimento ou ao desafio e sofrimento imposto pela discriminação da sociedade da época…).
Muitos indivíduos altamente respeitáveis da antiguidade e dos tempos modernos foram homossexuais, alguns dos maiores homens entre eles (Platão. Michelangelo, Leonardo da Vinci, etc.). É uma grande injustiça perseguir a homossexualidade como um crime e uma crueldade também. Se você não acredita em mim, leia os livros de Havelock Ellis.
Ao me perguntar se eu posso ajudar, você quer saber, eu suponho, se eu posso abolir a homossexualidade e fazer com que a heterossexualidade normal tome seu lugar. A resposta é, de um modo geral, que não podemos prometer alcançar isso. Em um certo número de casos somos bem sucedidos em desenvolver os embriões frustrados de tendências heterossexuais , que estão presentes em todo homossexual; na maior parte dos casos não é mais possível. É uma questão de qualidade e idade do indivíduo. O resultado do tratamento não pode ser previsto.
*(Um esclarecimento importante é que Freud entendia que todos temos tendências homossexuais e heterossexuais, deixo uma citação a respeito ao final 1.).
O que a análise pode fazer por seu filho está em outro caminho. Se ele está infeliz, neurótico, dilacerado por conflitos, inibido em sua vida social, a análise pode trazer a ele harmonia, paz de espírito, plena eficiência, permaneça ele um homossexual ou não. Se você decidir que ele deva se analisar comigo – o que não espero que você faça – ele deve vir a Viena. Eu não tenho intenção de sair daqui. Contudo, não me negligencie sua resposta.
Sinceramente, com os melhores votos,
Freud.
P.S. Eu não encontrei dificuldade em compreender sua caligrafia. Espero que você não ache minha letra e meu inglês uma tarefa mais difícil.

*Carta original.
- Estudando outras excitações sexuais, além das que se manifestam abertamente, sabe que todos os homens são capazes de escolher um objeto do mesmo sexo e que, na realidade, o fizeram em seu inconsciente” – Três ensaios, p. 34.
Freud, cometeu alguns deslizes em sua teoria, mas certamente não era alguém que compactuava com a repressão ou a discriminação. Operou um corte radical na compreensão da sexualidade de sua época.
Os “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade” é um de seus textos fundamentais, com pontos controversos e outros frequentemente mal compreendidos. Nele, Freud retira a homossexualidade do campo da patologia e, mais do que isso, introduz uma nova forma de olhar para a sexualidade humana.
A partir da escuta clínica do sofrimento e dos sintomas provocados pela moral conservadora, ele também restitui às mulheres a possibilidade de viver a sexualidade com mais liberdade.
Mesmo sendo publicado em 1905, a crítica presente no “Três ensaios” continua atual, sinal de que a força moral conservadora que tende a condenar a sexualidade nos ronda, trocou de roupa, mas ainda continua deselegante para dizer o mínimo.
Referências:
Historical Notes: A Letter from Freud in: The American Journal of Psychiatry, April, 1951, 107, No. 10, pp. 786-787.
M. Jorge, “Fundamentos da psicanálise de Freud a Lacan”. Volume 2, A clínica da fantasia. Zahar.
S. Freud, “Três ensaios sobre a teoria da sexualidade”. Obras completas, volume 6. Companhia das Letras.

