Leo R. Elias

Um estranho em mim
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Há um número crescente de pessoas que se apresentam como donas de si, hiperautônomas, completas, controladas, inventoras de si mesmas.

Atravessadas por um discurso bem-intencionado de recuperação da própria autonomia, correm o risco de cair em qualquer discurso que as ensine como ser melhor, como adotar identidades ideais para alcançar sucesso.

Esse discurso está presente até mesmo em pessoas que dizem trabalhar com a psicanálise.

É muito confortável pensar que temos o controle total de nós mesmos, que não dizemos nada além do que dizemos, que não cometemos atos falhos, lapsos, sonhos e sintomas que nos perturbam. Que não somos divididos, que não queremos algo, mas desejamos outra coisa, que não estamos em conflito diante de uma decisão.

– Quem foi que produziu esse sonho estranho, sem sentido? (estranhamento recorrente na clínica).

– Sem dúvida, não fui eu. Não foi meu eu consciente.

– Haveria um outro eu em mim?

Essa constatação não vem sem estranhamento, mas é justamente uma das que permitem alguém começar uma análise.

Uma pessoa pode frequentar o consultório de um psicanalista por anos, mas isso não significa que tenha entrado em análise, que tenha podido consentir, constatar e levar a sério seu inconsciente, se perceber dividido entre seu eu-consciente e seu estranho outro “eu-inconsciente”.

 

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